segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

O PROSADOR

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[...] Passaram anos em que não vi Antero, instalado então em Vila do Conde. Sabia que o meu amigo estava quase são, quase sereno. Mas foi uma preciosa surpresa, quando, ao fim dessa separação, chegando ao Porto e correndo com Oliveira Martins a Vila do Conde, avistei na estação um Antero gordo, róseo, reflorido, com as lapelas do casaco de alpaca atiradas para trás galhardamente, e meneando na mão a grossa bengala da Índia que em Lisboa eu lhe dera para amparar a tristeza e a fadiga. Era uma regressão, quase o antigo Antero coimbrão, mais amadurecido, mais doce: apenas, no lugar da fulva grenha flamante e romântica, alvejava um sereno começo de calva socrática. Era sobretudo uma ressurreição moral, à velha maneira de Lázaro, uma miraculosa saída do túmulo pessimista e das sombras da negação. Findara a luta implacável, o seu grande coração, enfim, descansava em paz!
Como chegara Antero a esse repouso apetecido? Escutando com uma atenção mais grave, mais crente, aquela voz da Consciência, que tanto tempo desconhecera, e que apesar de todos os desenganos e sempre em segredo protesta e afirma o Bem.
Fora atendendo reverentemente essa doce voz; e conseguindo, por um desesperado esforço do pensamento, penetrar a sua significação; e refazendo, guiado por ela, a sua educação filosófica; e procurando depois a sua confirmação na história, nas doutrinas dos moralistas, nas confissões dos místicos, que ele chegara a descobrir, a compreender bem o fim último e verdadeiro de tudo, não só do homem moral, mas de toda a Natureza, mesmo na sua modalidade física. E essa descoberta é de inefável beleza e contentamento - pois que o fim de tudo é o Bem! O Universo tem por fim o supremo Bem - o Bem é o momento final e augusto de toda a evolução do Universo.
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Eça de Queirós in "Vida de Antero de Quental"
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