sexta-feira, 22 de março de 2013

OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO

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Ciência e religião têm tido momentos de atrito ao longo da História. Infelizmente, ainda hoje têm. Recordemos Galileu e essa lástima do Criacionismo na América actual.
De acordo com o "The American Heritage Dictionary", religião é a crença num poder divino, super-humano, que deve ser respeitado e obedecido, na condição de criador e regulador do universo. Ou, segundo o "Dictionary.com", conjunto de crenças relacionadas com as causas, natureza e finalidade do universo, sendo estas fruto de entidade super-humana que  exige habitualmente a observação de rituais e um código de moral nos actos dos homens. Ora a ciência tem caído muitas vezes em situações de conflito aparente, seja com a obediência e respeito ao, ou pelo, poder divino, seja com a natureza ou finalidade do universo e por aí fora.
A dificuldade de articular a ciência com a visão fundamentalista da religião ou religiões é ilustrada pelo naturalista inglês Philip Gosse, criacionista fiel como exigido no princípio do Século XVIII. Grosse, ao encontrar fósseis de animais extintos muito antes dos 6.000 anos que teria a Terra, caiu num impasse. Descalçou a bota decidindo que a Terra tinha sido criada recentemente, mas incluía ossos e outros fósseis de animais que nunca tinham existido, lá postos para mostrar que um universo como deve ser inclui sinais de mudanças, mesmo que estas nunca tenham ocorrido. Profilacticamente, mudou de ramo científico para não encontrar mais ossos de dinossauros que lhe provocavam insónias. 
Auspiciosamente, a ciência tem resistido a estas ingenuidades e vai medrando, por vezes "merdando" também. Ninguém contesta hoje a Teoria Heliocêntrica, nem a expansão do universo—espero eu.
Mas nem tudo são sombras científicas na história da religião. Santo Agostinho, no Século V (!), escrevia assim: "Muitas vezes o não cristão sabe coisas acerca da Terra, do Céu e outras partes do mundo, sobre o movimento dos astros e suas órbitas, mesmo as suas dimensões e distâncias, e tem certezas no seu conhecimento racional e experiência. É, por isso, ofensivo para o não crente ouvir da parte do crente críticas sem senso, nomeadamente com base na Escritura. Deve evitar-se tal situação embaraçosa, sob pena de o não crente só ver ignorância e ridículo no cristão." (1)
E Santo Agostinho ia mais longe ao dizer que Deus tinha introduzido intencionalmente mistérios ingénuos na Bíblia para dar ao homem o prazer de os decifrar, referindo-se a passagens obscuras que exigem interpretação metafórica.
A  Bíblia foi escrita em contexto histórico, social e cultural datado. Teria sempre de ser assim. Com o avanço do conhecimento científico, tal facto levanta problemas aos crentes difíceis de resolver. Não podem fazê-lo com os pés, com a fogueira, ou o ostracismo—só  com a inteligência que faltou muitas vezes. Falta menos agora, mas continua a faltar por vezes. Com um pouco de jeito, tolerância, menos arrogância e preconceito, vai lá.
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 (1) Taylor, John Hammond: The Literal Meaning of Genesis, Newman Press, 1982.
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