quinta-feira, 23 de agosto de 2012

LITERATURA, EM RESUMO

.


Literatura é linguagem escrita. Até aqui, não há muitas dúvidas. Mas nem toda a linguagem escrita é literatura. Também sobre isto não ficam dúvidas. Então, qual a diferença, ou seja, o que faz duma peça de linguagem escrita literatura?
É o facto de estar incluída num livro de ficção, "oficialmente" rotulado de literatura, ou numa revista dita literária, ou na secção de literatura dum jornal? Não é. Há coisas escritas nas paredes — até das instalações sanitárias — que são literatura, e há coisas muito bem encadernadas que são lixo tipográfico. Contudo, poucos se aventuram a definir — ou tentar definir — literatura, muitas vezes apenas porque acham que defini-la pode tirar-lhe dignidade e prestígio. São sobretudo os cabotinos que assim pensam para alimentar o instrumento de camuflagem da mediocridade.  (Aqui há dias transcrevi uma peça dum crítico de arte, exemplo perfeito do que digo).
Evelyn Waugh, um dos grandes prosadores de língua inglesa, diz assim: "Literatura é o uso correcto da linguagem escrita, independentemente do assunto tratado, ou da forma". E acrescenta: "O uso correcto, que a distingue do  lixo tipográfico (expressão minha), é a lucidez, a elegância e a individualidade. Estes são os três traços que fazem dum trabalho de escrita literatura — não tem de rimar ou contar uma história: pode ser um currículo, um manual de instruções, ou um trabalho de Filosofia Analítica. (Suspeita-se que Waugh não tem a Filosofia Analítica em grande conta).
A lucidez referida não tem a ver com clareza, ou facilidade de compreensão — corresponde à visão inteligente do autor sobre uma matéria, eventualmente complicada e difícil de entender. Elegância, segundo o escritor, é a capacidade do objecto artístico despertar prazer a quem o desfruta. A individualidade é naturalmente o estilo próprio, original, diferente do "Diário da República", cujo estilo monótono e repetitivo sacrifica intencionalmente a forma estética ao rigor jurídico.
Se pegarmos, por exemplo, em Eça de Queirós, encontramos lá tudo isto:  a lucidez na análise política e social, que nos ajuda ainda hoje a compreender os Zezitos, os Almeidas Santos e por aí fora; a elegância — é preciso ser muito bronco para não encontrar prazer ao ler as descrições de Teodorico Raposão, Dâmaso Salcedo, ou do Conselheiro Acácio; e  a individualidade — até eu sou capaz de identificar um texto de Eça não assinado no meio de outros (excluindo uns tantos inspirados, quase capazes de escrever como ele, verbi gratia, Artur Portela Filho).

Sem comentários:

Enviar um comentário