quarta-feira, 22 de junho de 2011

UM 'SHOT' DE CICUTA

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Não há nada mais refrescante em tempo de canícula do que ler coisas inesperadas. No primeiro dia do Verão, li sobre a morte de Sócrates, o filósofo propriamente dito, não o Pinto de Sousa.
Naquele tempo, em Atenas, o processo criminal podia ser iniciado por um qualquer e Meletos confrontou Sócrates, oralmente e na presença de testemunhas, com a intimação para comparecer perante os magistrados judiciais a fim de responder por acusações de infidelidade religiosa e corrupção da juventude. Os magistrados deram razão a Meletos e Sócrates foi encaminhado para julgamento.
A audiência durou entre nove e dez horas e teve lugar no Tribunal Popular, na Ágora, grande praça do centro cívico de Atenas. O júri foi constituído por 500 cidadãos com mais de 30 anos de idade, provavelmente agricultores na sua maioria, sentados em bancos de madeira e separados do povo assistente por qualquer espécie de barreira. A sessão começou com a leitura das acusações e a audição dos acusadores, Meletos, Ânitos e Lícon, que falaram durante 3 horas medidas por relógios de água. Não existem registos das intervenções, mas presume-se que, além das dúvidas religiosas de Sócrates, terão sido invocadas práticas homossexuais com jovens, coisa não rara com mestres e discípulos naquele tempo e lugar.
Tudo visto e respigado, a defesa terá sido frouxa e Sócrates considerado culpado. No júri, 360 votaram a pena de morte. Seguiu-se um passo das formalidades do processo penal de então: a cada uma das partes foi pedida sugestão sobre a pena a aplicar. A acusação insistiu na morte e, quando se pensava que Sócrates iria pedir o exílio - no fundo a acusação queria e aceitaria - o réu comportou-se com insolência provocante, declarando-se inocente e pedindo até algumas benesses. O resultado foi o conhecido – um shot de cicuta.
O condenado passou as últimas horas numa célula da cadeia de Atenas cujas ruínas ainda existem e morreu no fim da embrulhada aqui resumida, mais parecida com um suicídio. Alguém disse mesmo: o julgamento de Sócrates, o mais interessante caso de suicídio do mundo, produziu o primeiro mártir da liberdade de expressão. E I.F. Stone, que não tenho o prazer de saber quem é, escreveu: Tal como Cristo precisou da cruz para cumprir uma missão, Sócrates precisou da cicuta para cumprir a sua. Soa a boutade, mas a frase é bonita e faz toilette.
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