quinta-feira, 23 de junho de 2011

PROSAS DISPERSAS

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O templo, enorme, é de arquitectura bizantina. O gótico fugitivo, esbelto e rendilhado, principiando num soluço, erguendo-se num ai, e terminando, exânime, num grito de flecha agudo e lancinante, era pouco sólido.

Na catedral quase que há mais alma do que mármore. Mesmo de granito, chega a ser incorpórea. As suas colunas, duma tenuidade vertiginosa, sobem instantâneas, como o raio desce. São, por assim dizer, jactos de fé petrificados, troncos rectilíneos de palmeiras místicas, que se embebem sofregamente pelo azul, expluindo lá cima numa girândola de nervuras, numa ramaria côncava de abóbadas. A imponderabilidade extática e descarnada ergue-a da terra, mina-lhe o alicerce. É bela, é sublime, mas frágil. Um sopro a leva.

O Sacré-Coeur é, como devia ser, uma fortaleza bizantina. Levantada ousadamente no alto de Paris, tem a defender-se de Paris. Os muros são duma espessura de monumento egípcio. Há naquela arquitectura o quer que seja de engenharia militar. É um reduto de dogmas.

Não está concluído. Falta-lhe o tecto por enquanto. A maciça obesidade inabalável dos enormes pilares ascende vagarosamente à força de monólitos, à custa de toneladas. Que diferença do templo gótico, por cujas agulhas, incisivas e aéreas, a alma se evade, como um fluído eléctrico, chegando-se a procurar lá no alto, no topo das torres, no ápice das flechas, crepitamentos de estrelas, santelmos de orações...

Guerra Junqueiro,  “O Sacré-Coeur”, in “Prosas Dispersas”
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