sábado, 31 de julho de 2010

O PAI DO CONDESTÁVEL E O PECADO DA CARNE

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Era um grande braço, era um grande cérebro, era um grande coração, D. fr. Álvaro; e tudo isto era espontaneamente, à lei da natureza, levado pelos impulsos da vontade, pelos assomos do orgulho fidalgo, pela violência de um temperamento carnal. Na sua longa vida, apesar dos votos proferidos antes dos dezoito anos, que foi quando o fizeram prior do Hospital, teve muitos amores, e trinta e dois filhos, machos e fêmeas. O mais velho chamava-se Pedro: Pedro Álvares (filho de Álvaro) ou Pedr’álvares, e foi quem lhe sucedeu no priorado; entre os menores estava Nuno, Nuno Álvares, ou Nun'álvares, que nasceu em 1360, dia de S. João, como o precursor também, no castelo do Bonjardim, filho duma criada da corte, por nome Iria Gonçalves do Carvalhal. Quando esta aventura pagã teve o seu desfecho com o parto de Iria do Carvalhal no mosteiro do Bonjardim, o pai e o astrólogo, D. fr. Álvaro e mestre Tomaz, apressaram-se a tirar o vaticínio do recém-nascido, e o oráculo disse que o novo bastardo seria invencível. Vinha ao mundo com o Precursor, os signos afirmavam um prodígio; o pai exultava, e a mãe sorria, amorosa e melancólica, para o fruto do seu amor sacrílego.
Não é crivel que, por grande que fosse a soltura dos costumes (e não podia ser maior) nas consciências enevoadas do tempo não acordasse vislumbre de remorso por pecados tão contra a letra expressa da lei de um Deus, de quem os mais atrevidos tremiam como varas verdes. A prova é que a amante do prior levou a penitenciar-se o melhor da sua vida, sem comer carne, nem beber vinho, durante quarenta anos, fazendo grandes esmolas e jejuns. Mas o pecado teve sempre uma teoria complicada. Sem penitência não se ganha o céu, e sem pecado não há motivo de penitência. Superior às forças humanas, fatalidade inevitável da natureza, para todo o pecado há perdão: o caso está em fazer por ele ! E pecados há, dignos de benção, desde que foram resgatados. O pecado de amor estava em tal caso, num tempo em que a força das coisas levava a reclamar tudo do vigor do braço, da energia do temperamento, da exuberância das paixões. Era a idade áurea da bastardia.
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O prior, por seu lado, exultava abertamente. Não o assaltavam as dúvidas que perseguem a consciência mais subtil das mulheres. Tomava a vida como o tempo a fazia. Ele próprio, bastardo era também.
Fora seu pai o arcebispo de Braga, D. Gonçalo Pereira que além jazia na campa da Flor-da-Rosa, quem o destinara para monge cavaleiro, fazendo-o proferir os votos e alcançando-lhe o priorado do Hospital.
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Oliveira Martins in "A Vida de Nun'Álvares"
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