sexta-feira, 16 de julho de 2010

A DITOSA PÁTRIA NOSSA AMADA


A sociedade portuguesa neste derradeiro quarteirão do século pode em rigor definir-se do seguinte modo:—Ajuntamento fortuito de quatro milhões de egoísmos explorando-se mutuamente e aborrecendo-se em comum.
Chamar pátria à porção de território em que uma tal agregação se encontra seria abusar repreensivelmente do direito que cada um tem de ser metafórico. O espaço circunscrito pelo cordão aduaneiro, dentro do qual sujeitos acompanhados das suas chapeleiras e dos seus embrulhos ou tomaram já assento ou furam aos cotovelões uns pelo meio dos outros para arranjar lugar nas bancadas, pode-se chamar um onibus—e é exactamente o que é—mas não se pode chamar uma pátria. A pátria não é o sítio em que nos coloca o acaso do nascimento, à mão direita ou à mão esquerda de um guarda da alfândega, mas sim o conjunto humano a que nos liga solidariamente a convicção de um pensamento e de um destino comum.
Já um sábio o disse: Ubi veritas ibi patria. A pátria não é o solo, é a ideia. [...]
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Ramalho Ortigão in “As Farpas”
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