segunda-feira, 28 de junho de 2010

CAMILO POR FIALHO


Uma das mais vivas e prestigiosas figuras da moderna literatura europeia é Camilo Castelo Branco. Natureza profundamente emocional, propondo todos os seus problemas em colisões de sentimento, alia à mais alta cultura da linguagem, que ainda apareceu em escritor português, o sentimento fulgurante de um vivo protesto contra a decadência que nos vai avassalando, aos poucos, na arte e nos costumes contemporâneos. Absorvido numa forte elaboração estética e fugindo às tentações da política, que tantas boas-vontades tem aniquilado, refugiou-se no seu trabalho de homem de letras, como Robinson na sua ilha. Dentro desse baluarte inexpugnável, ele tem continuamente erguido os seus tipos tradicionais, essas altas e marmóreas figuras esculturais, escolhidas entre uma fidalguia decadente, que vai gradualmente desaparecendo, substituída pela aristocracia do dinheiro, e os tipos enérgicos e viris dos homens rudes e sãos, de quem ainda é permitido esperar um dique à corrente que passa. É por isso que a obra de Camilo é uma das mais patrióticas, sem perder contudo esse carácter a um tempo tão literário e tão pitoresco, que sobremodo avulta na sua linguagem; o observador atento encontra naquele estilo inimitável, naquelas descrições encantadoras, naquelas paisagens vibrantes de realidade, a riquíssima seiva provincial, que é um dos mais elevados apanágios deste privilegiado do talento.
As nações que merecem sobremodo esse nome são aquelas que vinculam em monumentos eternos a lembrança dos seus grandes homens; e o maior monumento que se pode erguer a um escritor do merecimento de Camilo é a consagração nacional da sua obra.
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Fialho de Almeida in "Os Gatos"
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